Comprou carro elétrico? Você pode estar pagando IPVA à toa!
O mercado de veículos elétricos está em plena expansão no Brasil. Somente em 2024, mais de 173 mil carros elétricos foram emplacados — um crescimento de 85% em relação ao ano anterior, segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). A tendência de eletrificação da frota é clara, e com ela surgem dúvidas (e polêmicas) sobre os benefícios fiscais concedidos a esse tipo de veículo, especialmente o IPVA.
No Distrito Federal, o cenário mudou recentemente. Uma nova legislação foi aprovada, restringindo a isenção do IPVA para veículos elétricos, que até então era total. O problema é que a aplicação imediata dessa nova regra pode esbarrar na Constituição Federal, mais especificamente no princípio da anterioridade, que impede a cobrança de novos tributos antes de certos prazos.
Se você comprou um carro elétrico recentemente, ou pensa em comprar, este artigo explica como a nova lei funciona, quem ainda tem direito à isenção, e como o governo pode estar descumprindo a Constituição ao cobrar o imposto antes do tempo.

Guia do Conteúdo
O que mudou na isenção do IPVA para carros elétricos?
Até o fim de 2024, o Distrito Federal oferecia isenção total de IPVA para veículos elétricos, conforme estabelecido pela Lei nº 7.028/2021. No entanto, essa regra mudou com a Lei nº 7.591/2024, publicada em 5 de dezembro de 2024. A nova legislação, regulamentada pelos Decretos 46.799/2025 e 46.902/2025, restringe o benefício a uma parcela mais específica da população.
A partir de agora, só estão isentos do IPVA em 2025:
- Pessoas físicas que comprarem veículos usados de outras pessoas físicas;
- Aqueles que adquirirem veículos novos ou usados de revendas localizadas no Distrito Federal, desde que o comprador seja o consumidor final;
- E, claro, desde que não tenham dívidas com o governo do DF.
Ou seja: se você comprou um carro elétrico fora do DF, ou de uma empresa que não é revendedora (como uma locadora, por exemplo), pode ter perdido o direito à isenção.
Mas tem um detalhe: e a Constituição?
A Constituição Federal determina, no artigo 150, inciso III, alíneas b e c, dois princípios fundamentais para a cobrança de tributos:
- Anterioridade Anual — um novo imposto só pode ser cobrado no ano seguinte ao da sua criação.
- Anterioridade Nonagesimal — é preciso respeitar um intervalo de 90 dias entre a publicação da lei e sua entrada em vigor.
Então, embora a Lei 7.591/2024 tenha sido publicada ainda em dezembro de 2024, o DF só poderia começar a cobrar o novo IPVA 90 dias depois — ou seja, a partir de 5 de março de 2025.
O que isso significa na prática?
Vamos simplificar:
- A nova regra sobre a isenção entrou em vigor com a publicação da lei, mas a cobrança só pode valer a partir de março, por força do princípio da anterioridade nonagesimal.
- Isso significa que qualquer fato gerador do IPVA (como o licenciamento do veículo ou a emissão do documento de compra) ocorrido entre 5 de dezembro de 2024 e 5 de março de 2025 não deveria gerar cobrança de IPVA, mesmo com a nova lei.
- Caso a cobrança tenha ocorrido nesse período, ela pode ser questionada judicialmente.

Fato gerador: quando o IPVA é efetivamente cobrado?
O fato gerador do IPVA depende do tipo do veículo:
- Para veículos usados, é considerado o licenciamento anual, que normalmente ocorre em 1º de janeiro.
- Para veículos novos, o fato gerador é a data da emissão do documento de transferência de propriedade para o consumidor final.
Portanto, se você:
✅ Licenciou seu veículo antes de 5 de março de 2025, ou
✅ Comprou um carro novo e recebeu o documento de propriedade antes dessa data,
…você pode ter direito à isenção do IPVA, mesmo que o governo esteja tentando cobrar.
Por que isso importa (e muito)?
A questão aqui vai além de alguns reais a mais na sua conta. Trata-se de um precedente jurídico perigoso, que fere o que está estabelecido na Constituição Federal. Se os governos estaduais ou distritais começarem a ignorar princípios como o da anterioridade, abrem-se as portas para uma instabilidade tributária que afeta consumidores, empresas e toda a cadeia do setor automotivo.
Além disso, a medida vai na contramão do que outros estados têm feito — muitos estão incentivando a compra de veículos elétricos, seja por meio da isenção do IPVA, seja com benefícios no licenciamento, emplacamento gratuito ou uso preferencial em faixas exclusivas.
O que o consumidor pode fazer?
Se você se sente lesado pela nova legislação ou acha que está sendo cobrado indevidamente, há algumas saídas:
- Conferir as datas de compra e licenciamento do seu veículo;
- Consultar um advogado tributarista para verificar se você pode entrar com um pedido de restituição ou ação judicial;
- Denunciar ao Ministério Público ou à Defensoria Pública, em caso de cobrança irregular;
- Acompanhar as atualizações da legislação local e as possíveis ações judiciais que podem reverter ou suspender essa nova regra.
O impacto da mudança no setor de elétricos
Com o crescimento acelerado dos elétricos no Brasil, a retirada de benefícios pode esfriar o entusiasmo do consumidor. Especialistas do setor já apontam que a mudança nas regras do DF pode causar:
- Redução nas vendas de elétricos em 2025;
- Maior busca por veículos de fora do Distrito Federal, o que esvazia o mercado local;
- Aumento da judicialização tributária por parte de consumidores e empresas.
Além disso, as montadoras e revendedores locais podem sofrer queda nas vendas, já que os benefícios fiscais são grandes atrativos para esse público.
Conclusão: olho aberto e carteira protegida
A compra de um veículo elétrico, além de ser uma decisão sustentável e moderna, envolve um planejamento financeiro que considera (ou deveria considerar) os benefícios fiscais. Quando esses benefícios são retirados sem respeitar os prazos constitucionais, o consumidor tem todo o direito de questionar e se proteger.

Se você adquiriu um carro elétrico no fim de 2024 ou início de 2025, fique atento: pode ser que não precise pagar IPVA, mesmo que o boleto tenha chegado. E se pagou indevidamente, pode ter direito à restituição.
A boa notícia é que o próprio texto constitucional está do seu lado. E em tempos de mudanças rápidas e constantes, entender seus direitos é a melhor forma de proteger seu bolso e suas escolhas.
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