Exclusão inesperada: entenda por que a BYD ficou fora do IPI verde
O governo federal colocou em prática um ambicioso projeto voltado à mobilidade limpa: o programa Carro Sustentável. Com foco na redução do IPI para veículos que apresentem padrões elevados de sustentabilidade, o plano estabelece critérios técnicos e estruturais que visam reorganizar o mercado nacional de automóveis, estimulando a produção local e a eficiência energética.

Critérios exigidos
Para que um carro possa ser enquadrado no Carro Sustentável e receber os benefícios fiscais, ele precisa atender a uma série de exigências. A principal delas diz respeito à produção nacional. O programa estabelece que todas as etapas de fabricação — desde a soldagem até a montagem final do veículo — devem ser realizadas em território brasileiro. Isso significa que apenas modelos completamente montados e com produção integral no Brasil se qualificam.
Outro requisito técnico é a emissão de gases poluentes. O carro precisa emitir, no máximo, 83 gramas de CO₂ por quilômetro rodado, além de utilizar mais de 80% de materiais recicláveis em sua construção. Esses fatores foram pensados para privilegiar veículos que tragam benefícios reais ao meio ambiente e à indústria nacional. A proposta é equilibrar incentivos com sustentabilidade e responsabilidade fiscal.
Situação da BYD
Apesar de sua ampla gama de modelos elétricos e híbridos, a BYD atualmente não realiza fabricação nacional. Seus veículos são todos importados da China, o que impede que a montadora atenda ao principal critério do programa. Isso inclui modelos populares da marca no Brasil, como o Dolphin, o Yuan Plus, o Tan e o Seal, todos produzidos fora do país e, portanto, excluídos do corte de IPI.
Mesmo com a construção de uma fábrica em andamento em Camaçari, na Bahia, a produção local ainda não começou. Segundo cronograma da própria marca, as operações nacionais deverão ser iniciadas de forma gradual, com montagem em sistema SKD (Semi Knocked Down), em que os carros chegam parcialmente desmontados e são finalizados em território nacional. No entanto, esse formato também não se enquadra no que o governo entende como fabricação local plena.
Fábrica em adaptação
A nova planta da BYD será, a princípio, um passo importante para a nacionalização de sua linha de produção. Entretanto, para que os modelos se encaixem no Carro Sustentável, a fábrica ainda precisa incorporar processos industriais como estampagem, soldagem e pintura — etapas essenciais na classificação de um carro como nacional pelas regras da Receita Federal e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
A expectativa é que essas operações estejam plenamente implementadas apenas a partir de 2026. Isso coloca a BYD em uma posição desconfortável em relação ao novo programa: mesmo que seus carros tenham emissão zero ou muito próxima disso, o benefício fiscal não será aplicado até que a produção seja 100% brasileira. Até lá, seus modelos continuarão sujeitos à tributação padrão, enquanto concorrentes locais poderão ofertar preços mais baixos.
Tecnologia ignorada
Outro ponto que gerou debate foi o fato de que, apesar de sua liderança em tecnologias de eletrificação, a BYD acabou penalizada por não ter fábrica ativa no Brasil. Isso mostra que o critério ambiental, embora relevante, não é suficiente por si só. A lógica do governo é privilegiar a cadeia produtiva nacional e garantir que o incentivo fiscal gere benefícios internos em termos de emprego, inovação e arrecadação.
Muitos analistas veem essa decisão como pragmática, ainda que contestável. Afinal, enquanto modelos a combustão produzidos no Brasil — porém com emissão próxima ao limite — receberam o desconto, veículos 100% elétricos importados, como os da BYD, foram deixados de lado. Isso abre margem para questionamentos sobre até que ponto a sustentabilidade de fato norteia o programa, ou se a prioridade é o incentivo à industrialização nacional.

Impacto nos preços
A exclusão da BYD da lista de beneficiados pelo novo IPI tem impacto direto nos preços dos seus modelos no Brasil. Sem o incentivo, os carros da marca permanecem com valores elevados em comparação a modelos similares produzidos localmente. Em um mercado sensível ao custo, isso pode dificultar o avanço da empresa nas vendas, especialmente entre consumidores que priorizam o custo-benefício.
Enquanto isso, modelos de outras montadoras com produção nacional e motorizações mais simples ganham destaque. É o caso de opções híbridas leves ou mesmo de motores a combustão otimizados que conseguem atingir os índices exigidos. A Hyundai, por exemplo, conseguiu enquadrar o HB20 manual no programa. Já o Fiat Mobi e o Renault Kwid, mesmo sem eletrificação, foram beneficiados pela eficiência e produção local.
Nova tabela de IPI
A reformulação da tabela do IPI começa a valer em 90 dias após a publicação oficial do decreto. A partir daí, veículos que atendem aos critérios do Carro Sustentável terão redução expressiva na alíquota, que hoje gira em torno de 5,27% para veículos de passeio. Modelos mais eficientes energeticamente poderão pagar até menos da metade desse valor.
Um carro híbrido nacional, por exemplo, poderá ver sua alíquota cair de 6,3% para 2,8%, representando uma economia significativa para o consumidor final. Isso sem contar os reflexos na cadeia de produção, que passará a priorizar veículos alinhados com os critérios ambientais. Já os carros que não atendem às exigências terão o IPI recalculado com base em fatores como reciclabilidade e eficiência, podendo até sofrer aumento.
Concorrência favorecida
Enquanto a BYD aguarda o início pleno de sua produção local, outras marcas devem ganhar espaço no mercado. Montadoras que já operam fábricas no Brasil saem na frente, com condições tributárias mais favoráveis e potencial para oferecer preços mais competitivos. O próprio consumidor, diante das novas opções com incentivos, pode acabar migrando para essas alternativas.
Marcas como Volkswagen, Fiat, Renault e Hyundai já se movimentam para ajustar seus portfólios às exigências do programa. A Volks, por exemplo, relançou o Polo TSI com câmbio manual, aproveitando o novo enquadramento tributário. A Fiat readequou o Mobi para se manter abaixo dos limites exigidos. E a Renault fez o mesmo com o Kwid, reposicionando seu modelo de entrada com foco em eficiência.
O carro campeão de vendas no seu estado em junho de 2025
Produção nacional valorizada
A escolha do governo brasileiro de priorizar a produção nacional segue uma lógica industrialista que busca consolidar empregos e gerar valor dentro do país. A decisão de atrelar a redução do IPI à nacionalização da produção pode, a longo prazo, beneficiar o setor automotivo nacional.
Contudo, essa escolha também impõe barreiras à entrada de tecnologias mais modernas que ainda não contam com fábricas locais. No caso da BYD, isso significa um atraso temporário na democratização de seus modelos, o que pode prejudicar a ampliação da frota elétrica no curto prazo.
Estratégia da BYD
Apesar do revés momentâneo, a BYD não parece disposta a recuar. A empresa mantém seu plano de investimento no Brasil, com três fábricas previstas em Camaçari e um cronograma ambicioso de nacionalização da produção. A montadora também aposta em ganhar tempo com ações paralelas, como o lançamento de novos modelos, ampliação da rede de concessionárias e programas de test drive.
O foco, por ora, é consolidar a marca no mercado brasileiro e preparar o terreno para a virada industrial que virá a partir de 2026. Até lá, os veículos continuarão sendo importados, mas com estrutura pronta para, assim que possível, se beneficiar dos incentivos governamentais.

Visão de futuro
A exclusão da BYD do programa Carro Sustentável é, antes de tudo, uma questão de timing. A marca tem tecnologia, apelo de mercado e um portfólio alinhado com as tendências globais, mas ainda está no processo de adequação ao cenário nacional. Quando suas fábricas estiverem plenamente operacionais, é provável que boa parte de seus modelos se encaixe nos critérios do IPI reduzido.
Enquanto isso, o consumidor deve avaliar não apenas o preço, mas também o conjunto da obra. Mesmo sem isenção fiscal, um veículo elétrico pode representar economia significativa a longo prazo, especialmente em consumo de energia, manutenção e impostos estaduais.
