O Que Está Por Trás da Crise na Stellantis? Renúncia de CEO, Queda nas Vendas e Desafios com a Concorrência Chinesa
A saída repentina de Carlos Tavares da liderança da Stellantis pegou o mercado de surpresa, gerando uma onda de especulações sobre os motivos por trás da decisão e o impacto nas finanças da montadora. Dona de gigantes do setor automotivo, como Fiat, Jeep, Peugeot, Chrysler e Citroën, a Stellantis enfrenta uma série de desafios que vão além da simples troca de comando. Queda nas vendas, tensões internas, concorrência acirrada com as montadoras chinesas e um cenário global de incertezas econômicas são apenas alguns dos fatores que estão afetando a estabilidade da quarta maior montadora do mundo.

O Fim de uma Era: A Renúncia de Carlos Tavares
No domingo, 1º de dezembro de 2024, a Stellantis confirmou a renúncia de seu CEO, Carlos Tavares. O executivo português, que estava à frente da empresa desde 2021, com a fusão entre a FCA (Fiat Chrysler Automobiles) e a PSA (Peugeot-Citroën), anunciou sua saída de maneira inesperada, com mais de um ano de antecedência em relação ao seu plano de aposentadoria, que estava marcado para 2026. A decisão pegou de surpresa não apenas os investidores, mas também os analistas e observadores do mercado automotivo, que agora tentam entender os motivos dessa mudança repentina.
O impacto imediato foi expressivo: as ações da Stellantis caíram até 10% após o anúncio da renúncia, atingindo seu nível mais baixo desde julho de 2022. No acumulado do ano, os papéis da empresa registram uma queda de cerca de 40%, o que levanta sérias preocupações sobre o futuro da companhia. A montadora também viu uma redução de 27% em sua receita no terceiro trimestre de 2024, reflexo de uma diminuição nas vendas e da dificuldade em sustentar preços elevados.
A Tensão Interna e os Conflitos com o Conselho de Administração
Embora a saída de Tavares tenha sido anunciada oficialmente como uma decisão consensual, fontes internas sugerem que o ex-CEO estava enfrentando pressões consideráveis tanto dentro da empresa quanto de investidores. Um dos principais pontos de atrito foi a estratégia de reestruturação que ele propôs para a Stellantis, especialmente nos Estados Unidos, onde a montadora possui uma grande operação. Tavares defendia uma abordagem agressiva, com cortes de custos e reestruturações rápidas, ao invés de focar em uma estratégia de longo prazo. Esse posicionamento, no entanto, não foi bem recebido por boa parte do conselho da empresa.
Segundo fontes próximas à Stellantis, as tensões entre Tavares e o conselho aumentaram quando a direção da empresa começou a perceber que o CEO estava mais preocupado em salvar sua imagem do que em garantir a saúde financeira e estratégica da companhia. Além disso, a postura do executivo em relação às rígidas metas de emissões da União Europeia gerou desconforto entre os principais acionistas da empresa, especialmente em um momento em que as vendas de veículos elétricos ainda não decolaram como o esperado.

Outro fator que contribuiu para a saída de Tavares foi o atrito com os concessionários nos Estados Unidos, que sentiram os impactos das políticas de corte de custos e da estratégia de preços mais altos, implementadas para aumentar a lucratividade da Stellantis. De acordo com Kevin Farrish, presidente do conselho de revendedores da Stellantis, os cortes de custos feitos pelo CEO levaram a uma “rápida degradação” das marcas icônicas da montadora, como Jeep, Dodge, Ram e Chrysler.
Os Problemas da Stellantis no Mercado Global
Além das questões internas, a Stellantis enfrenta desafios consideráveis no cenário global. As vendas globais da montadora caíram 21% no terceiro trimestre de 2024, com uma queda acentuada em mercados chave como Europa e Estados Unidos. No mercado estadunidense, a empresa está lidando com excesso de capacidade produtiva e um estoque inchado, resultado de uma demanda global mais lenta e da crescente concorrência, especialmente das montadoras chinesas.
A pressão da concorrência chinesa é um dos maiores obstáculos para a Stellantis, que tem dificuldades para competir no mercado de veículos elétricos. As montadoras da China, com sua produção em larga escala e preços mais competitivos, estão dominando o setor de carros elétricos, colocando ainda mais pressão sobre os fabricantes tradicionais como Stellantis, que ainda busca ajustar seu portfólio de produtos para se alinhar à transição para a eletrificação.
Na Europa, a situação não é muito diferente. A montadora aumentou os preços de suas marcas mais populares, o que acabou afastando uma parte significativa de sua base de consumidores. As dificuldades no mercado europeu estão relacionadas não apenas aos custos crescentes e à desaceleração nas vendas, mas também à imposição de metas rigorosas de emissões pela União Europeia, que têm impactado diretamente os custos de produção e as margens de lucro das montadoras tradicionais.
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A Resposta da Stellantis e o Processo de Nomeação de Novo CEO
Após a saída de Tavares, o conselho de administração da Stellantis iniciou um processo de nomeação para escolher um novo CEO. Um comitê especial foi designado para liderar a busca, e a previsão é de que o novo executivo seja escolhido até o primeiro semestre de 2025. Nesse meio tempo, a empresa contará com uma gestão interina, para garantir a continuidade das operações e da implementação das estratégias em andamento.
Henri de Castries, diretor independente do comitê de direção da Stellantis, comentou em comunicado que o sucesso da empresa desde sua criação foi baseado em uma colaboração estreita entre os acionistas, o CEO e o comitê de direção. No entanto, ele reconheceu que divergências de visão entre Tavares e o conselho levaram à decisão de sua saída. John Elkann, presidente da Stellantis, também agradeceu a Carlos Tavares pelo papel importante que desempenhou na criação da empresa e nas recuperações da PSA e Opel, e expressou confiança de que a montadora conseguirá superar esse momento de transição com o apoio da equipe de gestão interina.
Desafios no Brasil e na América do Sul
Enquanto a Stellantis enfrenta dificuldades nos mercados norte-americano e europeu, a operação no Brasil tem se mostrado uma exceção positiva. A montadora registrou um crescimento de 14% nas vendas de veículos no terceiro trimestre de 2024, com 259 mil unidades vendidas na América do Sul. Esse desempenho é especialmente relevante, considerando que o Brasil é a principal operação da Stellantis na região. No entanto, o crescimento no Brasil não tem sido suficiente para compensar as perdas registradas em outros mercados importantes para a companhia.

O Futuro da Stellantis: Eletrificação e a Concorrência Chinesa
O futuro da Stellantis parece incerto, e muitos analistas acreditam que a montadora precisará fazer mudanças significativas para se manter competitiva no cenário global. A eletrificação é uma das principais apostas da indústria automotiva, mas, como aponta Paulo Cardamone, CEO da Bright Consulting, as montadoras tradicionais, como a Stellantis, ainda estão longe de alcançar a liderança nesse segmento. As grandes marcas chinesas dominam o mercado de carros elétricos, e a transição para modelos 100% elétricos ainda está em uma fase inicial em muitas regiões do mundo.
No entanto, Cardamone acredita que a prioridade da Stellantis, ao lado de outras montadoras, será garantir a estabilidade financeira da empresa antes de tomar decisões mais ousadas em relação à eletrificação. “O mix de eletrificados vai demorar muito para dominar completamente o mercado”, afirma. Para a Stellantis, o grande desafio será equilibrar suas finanças enquanto se prepara para um futuro cada vez mais voltado para a sustentabilidade e inovação tecnológica.